“Um sussurro da ventania tardia meu pensamento. O vento invade a janela, balança a cortina e dança com meus cabelos curtos. O tiritar parece música clássica, e meus pensamentos nem respondem mais. Meu olhar concentra-se no teto branco do meu quarto e nas rajadas de luz solar que entram pela pequena fresta da cortina. O vento muda de direção assim como o ser humano muda de opinião, ou pelo menos deveria mudar, ou não?!”
O fato é que ao acordar Amélia sempre faz a mesma coisa, ouve o vento bater na janela, sente a brisa refrescar sua pele e dançar com seu cabelo. Ainda de olhos fechados, por alguns segundos ela não pensa em nada. Ao abri-los, verifica a cor do teto, e se o sol lhe fizer companhia, as rajadas douradas estarão lá, no mesmo lugar.
Amélia nunca foi dada a mudanças, nem de hábitos, nem de estilo, nem de opinião. Amélia não muda. Ela aceita, apenas.
Roupas no armário separadas por cores, jeitos e estações. Preto, cinza, azul-marinho, bordô, beje e branco como a neve. Sapatos também separados, mas estes por lembranças e sensações. Acessórios, quase não possui, bastam lhe uma presilha herdada de sua mãe, Emília, e um lenço cor de outono herdada de sua avó, Antonia.
Amélia abre e fecha os olhos como todo mundo no universo, mas a jovem, que de jovem quase não aparenta ser, somente vê, não enxerga.
Saí de casa pontualmente às sete horas. Caminha vagarosamente por entre ruas e pessoas essencialmente apressadas, porém a feição de Amélia não muda. Ela abre e fecha os olhos e vê. Apenas vê.
Amélia olha o pulso e encontra o relógio que combina em cor, jeito e estação com sua roupa do dia, o ponteiro já marca sete e trinta da manhã. E ela pensa: Já estou chegando...
Atravessando a Rua da Consolação, lá está seu destino. A padaria que serve breakfast todos os dias já está lotada de clientes disputando os assentos. No recinto há vinte mesas com quatro cadeiras cada, há lugares para oitenta pessoas, porém a padaria só pode atender 20 clientes por vez. O patrão, Sr. Astolfo prometeu reformar a padaria e trocar as mesas, e no lugar disponibilizar um grande balcão. O motivo deste tumulto matutino e diário é que os clientes em geral, entram, sentam-se numa mesa, pedem seu café e acompanhados de parafernálias eletrônicas de grande alcance e alta definição, esquecem do universo que os rodeiam. E claro, sentam-se em uma cadeira, dispõem o notebook numa outra cadeira, a bolsa contendo um tablet em outra, isso tudo com um fone no ouvido.
Amélia não cansa de abrir e fechar os olhos, e somente desta vez ela observa e enxerga ao seu redor.
Ela fica perplexa com tanta mudança, e diz que antes os clientes vinham com uma espécie de telefone portátil, e que ficavam um longo tempo apreciando sei lá o que neles, sozinhos os clientes riam, mudavam de expressão e queixavam-se. Um tempo depois, e nem tanto tempo assim, começaram a vir com aparelhos maiores e estes ocupavam boa parte da mesa, abriam o aparelho como se fosse uma caixa de música, mas de lá, não saia nada além de pessoas solitárias de um lado e do outro, conversando por mensagens instantâneas e sem tato. Amélia definitivamente não entendia.
Mais um tempo se passou e começaram a trazer para o café vários aparelhos diferentes e como se fossem malabaristas, pegavam um e outro numa fração de tempo tão absurda que seus olhos não podiam acompanhar.
Aos poucos Amélia deixava de receber Bons Dias e Olás e passou a ser cumprimentada por acenos e balanços discretos de cabeça. Uns meses depois, nem isso.
Amélia nunca foi dada a mudanças, nem de roupas, nem de jeitos, nem de cortes de cabelos.